quarta-feira, 18 de agosto de 2010

eU sOU uM íDOLO pOP!*

Com dois discos para serem lançados e um tributo em sua homenagem em produção, Plato Divorak reforça seu status de herói cult da psicodelia brasileira
POR CRISTIANO BASTOS
1966. O ano do "amanhecer psicodélico" – que, em 1967, culminou no summer of love – alvejou o rock-n-roll, até então uma musicalidade "p&b", com sonoridades multicoloridas. Revolucionários álbuns lançados neste ano alteraram o curso histórico do rock:
Revolver (Beatles), Pet Sounds (Beach Boys), Fifth Dimension (Byrds), Face to Face (Kinks), Freak Out! (Mothers Of Invention), The Psychedelic Sounds of The 13th Floor Elevators (13th Floor Elevators).
Há 44 anos, o ventre do Planeta Terra também paria o ser (humano?) batizado Paulo Alexandre Paixão de Oliveira – o qual atende, porém, pela artística alcunha de "Plato Divorak".
Muito melhor do que apresentá-lo é deixar tais honrarias para a epígrafe que o compositor de mão cheia, que Plato é, escreveu na canção "Eu sou um ídolo pop", que abre um de seus novos discos:
"Hoje eu crio o ambiente das festas de minha juventude. Amanhã estarei de olhos vendados para a sua maldade. Que nasçam os frutos da bonança. Eu não vou compor a minha Yesterday, porque eu sou o Paul McCartney. Só que ele não sabe que ele sou eu… Na escuridão, eu atiro na tarântula. Não gosto de mulheres afetadas. E então, é nessa hora cósmica que proclamo: eu sou um ídolo pop!"

O caminho de Plato para o "estrelato pop" começa em 1988, ao integrar a banda Os Jaquetas e, depois, tocando com Edu K no power trio O.F.F. No mesmo ano, saiu-se com a cultuada Père Lachaise e, em 1994, montou a Lovecraft.
O duo Frank & Plato é de 93 e existe até hoje com o título de Frank Jorge & Plato Divorak e Empresa Pimenta. Plato Divorak & Os Sha-Zams foi seu primeiro projeto combo-solo. Com o Momento 68, Divorak gravou Onde estão suas canções?, álbum de 1999, com Sandro Garcia (hoje no Continental Combo).
Plato & Os Analógicos veio em 2004: "De 1996 a 2004, me dediquei quase que integralmente às gravações-solo — uma espécie de ‘Jovem guarda de expansão’: muita lisergia, ritmos brasileiros e rock", Plato explica.

Dono de vasta produção musical, Plato Divorak é persona essencial do underground não só porto-alegrense, como mundial e brasileiro, ao lado, por exemplo, de Jorge Amiden (da cultuada e esquecida banda carioca Karma) e—ousaria dizer—do mutante Arnaldo Baptista.
A verdade é que Plato Divorak, usando de expressão de sua lavra, "nunca está dormindo". Ele não para, ou melhor, nunca parou de compor. Em abril, o compositor gravou 18 músicas novas.
Três delas estão no recém-lançado single virtual Psychodisk. Nele, Plato Divorak apresenta três novas canções, hits-instantâneos que farão parte de seu próximo álbum, Space Fusion, em fase de finalização.
Para 2010, além de Space Fusion, Plato prepara suas cartas para o lançamento de Plato Divorak & Os Exciters, disco inédito pronto desde 2007 e, também, pelo tributo que vem sendo produzido a todo vapor pelo jornalista brasiliense Pedro Brandt.
A NOIZE ouviu os três lançamentos com exclusividade.
"Eu crio uma filosofia musical para os heróis deserdados de outras eras. Esse rock intransferível, uma abrupta paixão por autores, bandas e artistas dos espetaculares anos 60 fazem parte de nossa vida ainda hoje. Estou na terceira camada ou no subterranean sixties", diz Plato sobre sua arte lisérgica.
Para os registros sonoros (tanto o disco com os Exciters, quanto os mais recentes), Plato, mais uma vez, contou com o abrilhantamento do produtor Thomas Dreher.
No disco gravado este ano, Plato e o guitarrista Leonardo Bomfim também contaram com o especial little help do guitarrista Julio Cascaes (Hipnóticos) e do Gésner Mess (Maria do Relento), um dos fieis escudeiros de Plato. Ambos "xamânicos", ele conceitua os parceiros.

Plato define as três faixas do single, que conta com "A mulher brasileira é a mais linda" e "Crematory Boys", como "uma diversificada sugestão autoral". A primeira canção é uma espécie de samba-rock psicodélico que remete a Jorge Ben fase Tábua de Esmeralda, e a segunda tem o clima The Who/Pink Floyd dos primórdios:
"Coisas que saíram de moda em Porto Alegre, mas que ainda são ótimas para pegar emprestado", nota Bomfim.

Em Space Fusion, Leonardo toca baixo, os quais foram gravados todos num take, praticamente. Detalhe: as guitarras de Julio Cascaes foram registradas sem que o instrumentista tivesse ouvido as composições anteriormente.
"O disco todo foi gravado de primeira", conta Leo. O produtor Thomas Dreher, responsável pelas excepcionais gravações, por sua vez, entende-se exemplarmente com a "complexidade psicodélica" do Plato.
"O disco foi gravado numa velocidade supersônica, porém, com qualidade. É cheio de detalhes nos arranjos, violões, percussão e guitarras", continua o guitarrista.

O resultado, de fato, atingiu a excelência. Além das experimentações costumeiras, está repleto de hits, como "Xenon Light", sobre o amor de um homem por sua robô, e "Let shine on", na qual Plato prova que sua lisergia não é só aquela batida anacrônica fincada em previsíveis territórios dos imprevisíveis sixties.
"Space Fusion viaja pelo krautrock, soul e funk. Tem as 'Syd Barrett ballads' e várias surpresas que as pessoas, com o tempo, irão aglutinar. Espero não estar sendo arrogante nesse caso”, desculpa-se Plato, que divide a psicodelia em três "camadas".
Ele, certamente, encontra-se na terceria delas, nada devendo a legendas psicodélicas da linhagem de Syd Barrett (Pink Floyd), Alexander "Skip" Spence (Moby Grape) e Rocky Erickson (13th Floor Elevators).
Exceto por Erickson, nosso Divorak, que se afirma um "connoisser de rock, sixties e jazz", gravou mais do que esses dois britâncos, os quais—muito diferente do que, comumente, supõe-se sobre o gaúcho—perderam-se na loucura. Plato segue firme com a sua "lucidez" criativa.
Frank Jorge não mais consegue precisar o ano, muito menos a data exata, em que conheceu Plato Divorak. A única lembrança certa, Frank examina a memória, é que o encontro entre eles rolou na segunda metade do anos 1980.

Para Frank, a "mania sixtie" sulista de venerar Beatles e Stones, e o punk e a new wave do período fizeram com que Lou Reed e Jim Morrison ficassem esquecidos em Porto Alegre. "Passaram quase batidos", afirma.
O Plato era um destes outsiders que se ligavam nas outras vertentes estéticas.
"Ele trazia essas outras influências, mas, obviamente, recicladas, abrasileiradas. Ou melhor, "aportoalegrezadas". Se Dylan trouxe poesia para o rock, Plato trouxe o sadomasoquismo, a poesia de Rimbaud e o surrealismo para os nossos insistentes iê-iê-iês. Plato tem sempre alguma novidade escondida em algum bolso. Chegou a hora do mundo conhecer Plato Divorak. Atreva-se a não gostar. “Canaaaaaaaaaaaaaaalha!!!".

No tributo organizado por Pedro Brandt, participam bandas de diversos estilos, como a psicodélica Band of Pixies, que regravou "Antiglitter". De acordo com o músico, a escolha do fonograma caiu como uma luva na sonoridade de seu novo acid trio.
A música, que tem atmosfera de conto de fadas espacial, canaliza o encontro de Jimi Hendrix com os duendes do Planeta Gong.
"Adicionamos uma seção final spaced-out, desconstruindo o espaço-tempo galático. Dobra espacial 5, Sr. Sulu. Viva Plato, já estamos em 2032!!!", anima-se Golfetti, que estabeleceu o link com Plato ainda no final dos anos 1980, quando trocavam mensagens através da Radio Gnome Invisible.
Brandt conta que começou a articular o tributo ao Plato—de quem é amigo há anos—escolhendo, primeiramente, as músicas de seu repertório. Depois os convites foram feitos às bandas. “Eu escolhi algumas bandas, o Plato, outras.
Tocam bandas de Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, São Paulo, Aracaju e Florianópolis. Serão feitas versões para músicas de todas as épocas da carreira dele: Père Lachaise, Lovecraft, Frank & Plato e Plato solo”, explica o jornalista.

Até agora, cinco gravações já foram entregues: "Volta às aulas em San Tropez", com Marcelo Mendes, "Melô do Zé Bigorna", com os Irmãos Panarotto, "Iluminados monstros do amor", com os cariocas Do Amor e a já citada "Antiglitter".
A gravação de "Pensa demais", com os gaúchos Galãs da Menopausa, tinha sido gravada em 2008, nas nunca usada, e acabou entrando para o projeto.

"Escolhemos 'Romance mórbido' porque está inclusa em um de nossos discos favoritos—senão, o favorito—de rock gravado nos Pampas, o Amnésia Global, de Frank e Plato”, sublinha Andrio Maquenzi, da Superguidis.
"É uma canção pueril, desconexa, lasciva, como sempre foi qualquer obra-prima do Plato. Eu e o Lucas Pocamacha gastamos esse disco quando o conhecemos, no início dos anos 2000. Grata e bem-vinda surpresa. Obviamente, vamos fazer uma versão podreira, sentando a lenha com guitarras cortantes à la Dinosaur Jr. E, sim, é uma grande honra fazer parte desse tributo. 'E quem vocês pensam que são?'".

A ideia, explica Pedro, é lançar como disco virtual, para download gratuito na internet. Mas o jornalista sonda, também, selos que possam se interessar em viabilizar o projeto em CD. "O objetivo principal do tributo é prestar uma homenagem ao Plato e, claro, ajudar a popularizar a produção musical dele."

"Sobre o Plato, o melhor de tudo é conviver com a figura durante todos esses anos", conta Leo Bomfim. "Importante ressaltar que ele não é um personagem, o Plato é o Plato, vinte quatro horas por dia. O que ele coloca nas músicas é o que ele vive. É a realidade dele mesmo. Porque há muitos 'doidões' por aí que são puro personagem."

A parceria de Leo e Plato nasceu para participar de um tributo virtual a Ronnie Von. O mais importante projeto, entretanto, é o disco de estréia de Plato Divorak & Os Exciters, ainda inédito, segundo Leo, por conta de uma sacanagem do selo Pisces Records.
Causos e lendas sobre Plato Divorak, há centenas. Em Porto Alegre, todo mundo sabe pelo menos alguma história "absurda" relacionada a ele.
Uma de suas clássicas, destaca Bomfim, é sobre todo integrante novo que entra em suas bandas. O "batismo" dos neófitos músicos consiste em ser devidamente apresentado às suas "amiguinhas"” numa legítima casa da luz vermelha no centro de Porto Alegre—o que, no fundo, não é nada mal...
"O Plato tem uma tática sensacional pra não pagar pelo prazer. Ele começa a fazer as preliminares e depois de amassar bastante a menina, pergunta quanto é o anal. Ela diz o preço e ele diz que não tem essa grana. Aí vai pra outra salinha e faz o mesmo. Depois de umas cinco ele já se satisfez", o amigo revela.
"Acho que nosso novo hit, 'A mulher brasileira é a mais linda', resume um pouco essa vida que eu levo", considera o lendário Plato Divorak. Sobre rock, sua maior especialidade, ele respira como um filósofo pop:
"Eu quero criar uma filosofia. Eu tenho a história do rock em minhas mãos."
Amônia (Père Lachaise)

A mulher brasileira é a mais linda (Exciters)
Crematoy Boys (Exciters)
*Revista NOIZE

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