quarta-feira, 28 de julho de 2010

lULA mARTINS: nAS bRUMAS dO fUMACÊ

"Eu conhecia os Novos Baianos antes deles virem para o Rio de Janeiro, dos tempos em que ainda ensaiavam para o performático O Desembarque Dos Bichos Depois do Dilúvio Universal, espetáculo que contou com a participação dos mais acelerados e revolucionários artistas de Salvador, naquele momento de transição dos valores ditos caretas para as posturas libertárias.

Os Novos Baianos faziam parte do movimento mundial da contracultura, ou melhor, de sua versão tupiniquim, traduzida na Tropicália. Cinema, artes plásticas, teatro e, especialmente, música projetavam esses 'bichos' que sonhavam virar o mundo de ponta cabeça.

Durante a montagem do longa-metragem Meteorango Kid - Herói Intergalático, de André Luiz Oliveira, hoje radicado em Brasília, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira e Galvão ficaram hospedados durante alguns dias no apartamento em que eu morava no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.

Eles traziam consigo uma fita gravada, ao vivo, com as músicas apresentadas no espetáculo Desembarque dos Bichos. No estúdio de Helio Barroso, gravaram, pela primeira, as faixas para a trilha-sonora de Meteorango.

Algumas dessas músicas se tornaram sucesso nacional com o lançamento do álbum É Ferro na Boneca. Conheci Paulinho, Moraes e Galvão em Salvador, um pouco antes das filmagens de Me teorango, levado por Caveirinha para conhecer e ouvir as canções que eles compunham. Os três se alojavam numa pensão no Areal de Baixo.

Vestiam roupas de peles de bodes amarradas ao corpo, as quais lhes davam um aspecto desafiante e transgressor. Eram aplaudidos pela galera quando circulavam pelos bares do Baixo Leblon, no Rio.

Os Novos Baianos surgiam com uma obra musical genuinamente brasileira. O poeta Galvão vinha com um pé na bola e outro no regionalismo poético do velho "Chico do Juazeiro", que traduzia para o entendimento da linguagem urbana e universal.

Moraes, por sua vez, é a recriação da música brasileira a partir do sentimento nordestino constante em sua obra. Sua música é feita das paisagens coloridas e amplas do antigo Brejo Seco, hoje Ituaçu.

Paulinho Boca, o malandro desenvolto misto de cantor e agente, contador de causos e bonachão típico do recôncavo baiano, e ra cantor experiente que, há muito, apresentava-se como crooner de orquestras nas casas noturnas soteropolitanas.

De contrato assinado com a gravadora RGE, os novos baianos alugaram um apartamento no Jardim Botânico. Passei alguns dias com eles lá: era uma loucura sem tréguas nas brumas do fumacê diário. Infantis diabruras que escandalizavam uns e encantavam outros.

Fiz a capa do compacto Os Novos Bahianos, editado pela RGE. A capa do disco Acabou Chorare, no começo, seria total e tropicalmente colorida, contudo, por questões técnicas e de produção, reduziram o número de fotos coloridas, o que veio alterar o projeto gráfico inicial.

Queixei-me com João Araújo (produtor dos Novos Baianos), que me explicou a situação. Ele, contudo, me convidou para dirigir o videoclipe de lançamento do álbum. A minha insensata resposta foi não, mas logo saquei a bobeira de meu orgulho ferido.

Dias depois, observando melhor, percebi que aquelas fotos em preto e branco acentuavam, com grafismo jornalístico, o cunho sociocultural da proposta.

Who's Next?