quarta-feira, 30 de setembro de 2009

mATA-mE pOR fAVOR

Ao vestir a famosa t-shirt com os dizeres "I Hate Pink Floyd!", Johnny Rotten deu pontapé inaugural no plano que o falsário Malcom McLaren vinha mirabolando com sua esposa e sócia, a estilista Vivienne Westwood:
Armar-se de moda e niilismo para destronar o rock de sua grandeza monolítica. E encher os bolsos de dinheiro.
O casal era dono da Sex, loja que produzia modelitos em série para abastecer o visual extravagante das primeiras levas da juvenília punk que, em 1977, proliferava-se nas ruas inglesas.
McLaren sempre foi obsessivo pelo binômio moda & rock. Para ele, uma coisa completava outra.
A moda foi das uma razões para as quais ter se oferecido para empresariar os New York Dolls na fase da decadência plena.
Sujeito tão espertalhão que convenceu os Dolls (primeira banda de travestis heterossexuais da história) a fantasiarem-se de comunas embalados em vinil vermelho-glitter - em plena Guerra Fria.
É a indumentária que exibem na capa do álbum ao vivo Red Patent Leather, de 1975.
No colégio, Vivienne Westwood customizava radicalmente os uniformes de suas colegas. Cortava-os para dar mais movimento às saias e, além de esvoaçantes, deixá-las o mais fashion possível.
Quando Westwood "inventou" o vestuário punk tinha na cabeça, basicamente, duas palavras de ordem: política e erotismo trash. Determinou que o punk era bicolor e elegeu preto e vermelho suas cores oficiais.
Vivienne tirou as correntes do anonimato sadô-maso, decretou que rasgos são cool e que tachas e alfinetes de segurança eram acessórios obrigatórios. Por certo tempo, esse foi "o grito" em moda rock.
Grito que reverberou quando o gênero subdividiu-se em pós-punk, new wave e, finalmente, em hardcore. Possivelmente, o old fashioned Billy Idol (ex-Generation X) - o qual, ainda hoje, enfeita-se como em 1977 - é ícone derradeiro do período.
Em Nova York, jardim das vaidades no qual o vírus punk foi inoculado, no anoitecer dos anos 60, a moda obedecia parâmetros mais cartesianos:
Ou as bandas eram elegantes (Blondie); fetichistas & luxuriosas (Velvet Underground); ou calculadamente desleixadas (Voidoids).
Westwood e Katharine Hamnett (nos anos 80) - as duas grandes damas do estilismo punk - são inglesas. Todavia, quem lançou a moda foi o norte-americano Richard Hell.
Blank Generation - Richard Hell (ex-Televison/Heartbrekers) picotava o próprio cabelo, detonava suas calças, sujava seus tênis e adaptava suas t-shirts no melhor estilo faça-você-mesmo.
Uma de suas criações exibia o slogan-súplica "Please Kill Me", que intitulou o livro (Mate-me Por Favor, no Brasil) apurado por Legs McNeil e Gillian McCain, que entrega toda história e toda lama revolvidas em quase quatro décadas de punk.
Em formato pocket book, a edição brasileira, cuja tradução é de Lúcia Brito, encontra-se em qualquer "livraria de supermercado". A diversão é garantida.
O pink floyd David Gilmour afirmou que nunca sentiu-se um "fashion victim". Segundo confessou posteriormente, na época, até considerou charmoso o provocativo "I hate Pink Floyd" grafado na camiseta de Johnny Rotten.
Sabia que tratava-se, no fundo, de esperta tacada de marketing:
"Para mim, sempre tivemos (O Pink Floyd) um apelo underground. Menos, suponho, na mídia. Quando Johnny Rotten usou a charmosa t-shirt estampada com 'Eu odeio Pink Floyd', ele até me falou que era fã. Tinha a ver com a imagem dele e nada a ver com a nossa música", Gilmor contemporizou.
Nos anos 80, Katharine Hamnett levou título de "a primeira guerrilheira da moda", ao apresentar sua coleção de folgadas t-shirts com slogans de protesto político - sempre grafados em negrito e em letras maiúsculas.
Sua última esquisitice foi o lançamento de uma linha de camisetas para homens, as quais vinham com frases criadas sobre fatos ocorridos no ano de 1983.
Algumas delas: "Education Not Missiles", "Stay Alive In 83" e "Worldwide Nuclear Bang Now".
Hamnett também criou slogans para a banda Frankie Goes To Hollywood. Uma dessas peças, "Frankie Say Relax", foi alçada ao hype e vendeu incrível numerário de 150 mil (!) unidades.
Malcom Mclaren, porém, foi imbatível: o mais sacana dos plagiadores parido um dia pelo rock. Até hoje, ninguém desbanca-o nos quesitos malandragem, visão comercial e revolução estética.
Frases tortas e sujas vomitadas pelos Sex Pistols, de suas músicas, como "Get Pissed Destroy" e "No Future", boa parte foi descaradamente encampada das cartilhas especto-situacionistas.
Truque que residia em efeitos meramente semânticos, na fúria sonora sinceramente agressiva e nos alvos que tinham sob mira de suas pistolas sexuais.
No decálago "Como Fabricar seu Grupo", do filme The Great Rock'n'Roll Swindle, de Julian Temple, o sexto mandamento de MacLaren é: "Roube o máximo de dinheiro da gravadora de sua escolha".
O nono: "Leve a Civilização aos Bárbaros - os EUA". E, o décimo, a nonsense indagação: "Quem Matou Bambi?".
Se McLaren é filho bastardo do filósofo Guy Debord, por sua vez, a paternidade do situacionista pertence ao romeno Tristan Tzara. Do poeta dadaísta, Debord saqueou a sentença que poupa séculos da discussão sobre propriedade artística:

"Criar é divino; reproduzir é humano".

terça-feira, 29 de setembro de 2009

nELSON nO pRESÍDIO*

No domingo à tarde, as internas do Presídio de Mulheres de Piraquara tiveram o melhor presente do ano: um show exclusivo com Nelson Gonçalves.
A própria diretora do presídio, advogada Eny Carbonar, chegou às lágrimas pela satisfação de receber naquela casa de detenção o cantor brasileiro de maior prestígio junto às faixas humildes.
Nelson Gonçalves, 58 anos, 40 de vida artística, havia feito no sábado um show no Guairão, com excelente público (apesar da tempestade que caiu sobre a cidade), viajou em seguida à Itajaí, onde apresentou-se num clube, retornou a Curitiba e, apesar do compromisso de novo show no teatro, à noite, aceitou o convite que Eny lhe fez.
Artista que, há pouco mais de 10 anos, atravessou um terrível período em sua vida, chegando à prisão devido ao uso de tóxicos, Nelson jamais se nega a, em suas horas de folga - e sacrificando mesmo o seu repouso (como ocorreu no domingo a tarde) a alegrar os dias cinzentos das pessoas que o destino levou às penitenciárias.
Durante mais de 30 minutos, conversou com as humildes sentenciadas, cantou seus maiores sucessos e distribuiu autógrafos. Ao sair, recebeu o cachê que o emocionou: o beijo de uma criança de 5 anos, filha de uma das presidiárias e a promessa de uma tapeçaria, executada pelas internas.
O Último Boêmio - Nelson Gonçalves vai assinar um milionário contrato com a Warner Communications, para atuar num filme baseado em sua vida, com o título de O Último Boêmio.
Receberá um "advanced" de Cr$ 1.600.000,00 e terá mais 20% sobre a bilheteria, o que deverá ampliar sua fortuna, já que seu público em todo o Brasil é imenso, traduzido no fato de já ter vendido 28 milhões de cópias de seus discos e ter, atualmente, em catálogo, na RCA - gravadora na qual se encontrou desde que começou sua carreira - nada menos que 31 elepês, fato único da história da fonografia brasileira.
Seu 84º elepê (já gravou 272 em 78 rpm e 268 compactos) sairá dia 29 e tem o título de "Reserva de Domínio". Traz quatro músicas de seu eterno compositor (e agora também empresário) Adelino Moreira e quatro regravações de músicas românticas:
"Ninguém Me Ama" "Dá-me Tuas Mãos", "Saia do Meu Caminho" e "Olhos Nos Olhos".
Fazendo shows no mínimo de Cr$ 30 mil - e chegando até a Cr$ 400 mil (como a Souza Cruz lhe pagará, para 4 apresentações, ao lado de Pedro Vargas, no Anhembi e Canecão, em setembro), gravando de 2 a 5 elepê por ano - cada um com uma média de 200 mil cópias (mesmo um álbum triplo, a Cr$ 340,00, como foi o "Nelson de 3 Gerações", já vendeu 130 mil cópias).
Nelson é hoje já dono de um apreciável patrimônio: 22 apartamentos e casas em São Paulo e Rio de Janeiro (atualmente mora e Niterói), uma fazenda de criação de gado em Caxambu, MG, e depósitos imensos em cadernetas de poupanças.
Com 2 filhos legítimos e 8 adotivos, pouco tempo tem para a família: normalmente viaja 5 dias por semana, e além de temporadas mais prolongadas, como a que fez agora, pelo Paraná e Santa Catarina, empresada por Avelar Amorim.
Pretende trabalhar no atual ritmo por mais dois anos, quando então espaçará suas gravações para apenas um elepê por ano e um show por mês. Por enquanto, vai mantendo uma agenda estafante mas altamente compensadora.
Afinal, os compromissos são tantos que só com os 20% que dava ao seu antigo empresário, Antonio Touro, ele faturava Cr$4 120 mil por mês. Mas como não se satisfez com isso, acabou perdendo o emprego.
Agora é o próprio parceiro e amigo Adelino Moreira quem está administrando a vida profissional de Nelson tendo inclusive o acompanhado à Curitiba.
*Publicado no O Estado do Paraná em 16 de agosto de 1977.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"uMA rELAÇÃO cOMPLICADA"


Assim, o escritor e parceiro de Raul Seixas em alguns de seus maiores sucessos,
define a amizade que os unia


POR PAULO COELHO

Em 1989, eu estava fazendo o caminho de Roma quando soube da morte de Raul Seixas, em uma cabine telefônica, quando liguei para o Brasil (como fazia uma vez por semana) para ver se minha mulher estava bem.

Tinha três moedas de cinco francos no bolso, um minuto e meio de conversa. Eu disse: "Oi, Cris, tudo bem?" E ela: "Não sei se eu te conto". Caiu a primeira moeda, depois a segunda e daí ela disse: "O Raul morreu". Caiu a terceira moeda.

Ao contrário do que manda o figurino, eu senti uma profunda alegria. Parecia que, naquele momento, Raul estava livre, bem, contente. Lembro que passei o resto desse dia cantando nossas músicas.

Eu tinha publicado O Alquimista, mas não era o escritor que sou hoje – mesmo no Brasil. E continuei com aquela sensação de que Raul, de alguma maneira, tinha cumprido a missão a qual ele havia se proposto. Raul tinha vivido a lenda da vida dele, feito tudo o que achava que tinha de fazer.

E não deixou absolutamente nada: foi uma escolha dele. Nunca o vejo como uma vítima do sistema ou um cara que entrou num processo de autodestruição – nada disso. Foi uma escolha consciente, muitas vezes, conversamos a respeito.

Eu sempre demonstrei certo receio, contudo ele dizia que eu não me preocupasse: ele estava fazendo exatamente o que queria. No dia de sua morte entendi perfeitamente. A nossa relação sempre foi muito complicada desde o começo.

Quando começamos a trabalhar juntos, nos víamos todo dia. Ou ele vinha para minha casa ou eu ia para a casa dele. Era uma relação muito intensa, e uma competição acirrada. Raul sempre achava que eu queria mostrar que era melhor que ele, e vice-versa.

Eu era o intelectual que sonhava morrer incompreendido, e Raul tinha esse poder de comunicação muito grande – muito grande. Pouco a pouco, nós começamos a desenvolver toda a ideologia da Sociedade Alternativa, unindo o ideário hippie.

No disco Krig-Há, Bandolo!, a música-chave é "Ouro de Tolo", que é dele, e tem "Rockixe", quase uma declaração de princípios. Pouco a pouco começamos a nos entender. Apresentei as drogas a Raul, as sociedades secretas e essas coisas todas.

Será que fiz bem? Raul entrou de cabeça nisso tudo. Em dado momento, eu disse: "Chega, parei". Mas Raul continuou, uma escolha absolutamente consciente, e ninguém pode julgá-lo por isso. A única coisa que me desagrada hoje é uma certa manipulação da lembrança dele.

E o que me surpreende muito é a atualidade das coisas que fizemos e, também, a atualidade da presença do Raulzito. Raul Seixas é mais atual que nunca. Vemos, nesse caso, a tragédia como força que consolida a carreira de alguém.

Ele não precisaria ter morrido da maneira que morreu, mas repito que foi sua escolha. A tragédia consagra – infelizmente. Assistimos ao Jim Morrison no passado, e assistimos ao Michael Jackson agora. A imprensa fez tudo para destruir Michael Jackson e, quando ele morreu, a comoção popular foi gigantesca.

O mesmo aconteceu com o Raul. No final de sua vida, era convidado para programas de TV, visto como uma raridade. A tragédia faz com que a pessoa ganhe uma dimensão completamente diferente. Ou seja: ele se sacrificou por isso.

Desde os mitos mais ancestrais, das mortes dos deuses, até hoje. John Lennon é mais importante que Paul McCartney porque foi assassinado. Na verdade, ambos têm o mesmo peso. Você enfrenta a tragédia e se transforma.

Nossa relação era pessoal e, claro, foi se desgastando. Duas personalidades muito fortes. Daí nosso trabalho ser muito criticado. Porque não era aquela coisa: "Me mande um cassete que vou botar uma letrinha".

Rolavam discussões e momentos de agressão. Nunca chegávamos às vias de fato, entretanto eu lembro que algumas vezes chegamos muito próximos a isso. Em Brasília, ele chutou uma mesa e eu chutei um abajur. A gente ia se engalfinhar, mas Gloria, que estava com ele, botou panos quentes.

Lembro de pensar: "Agora vai sair porrada". Vinte minutos depois, estávamos sentados compondo. Não ficava resquício de ódio. A coisa que eu mais agradeço dessa relação foi ele ter me ensinado que cultura popular não é, necessariamente, uma coisa negativa.

Ao contrário, a capacidade de se comunicar com todos é muito positiva. No fundo, é o objetivo do ser humano, a comunicação com seu próximo. A segunda coisa que ele me ensinou é a linguagem e de como fazer uso dela.

Eu me lembro de gostar de músicas do Raul, antes de ele ser famoso, que ele fazia para outras pessoas na CBS. Eu o ouvia e dizia: "Então essa música é sua. Que maravilha!" Tem uma música que diz: "Estou voltando pra casa / Camisa amassada / Mais um dia de trabalho / Que afinal chegou ao fim".

Eu não sei nem quem canta. Só vim saber muito tempo depois que a canção era dele. Descrevia a rotina que tanta gente vive, do cara que vai de ônibus trabalhar. Raul me ensinou a ver isso e guardo até hoje.

Sem dúvida, minha vida tem dois momentos-chave: um é o Caminho de Santiago, quando assumo, realmente, ser escritor. O outro é o encontro com o Raul, quando deixei de querer ser gênio incompreendido. Recordo que eu dava poesias para Raul ler.

A primeira versão de "Al Capone", por exemplo, era um grande tratado. O Raul disse: "Não é nada disso, cara." Eu, irritado, respondi: "Você quer algo como 'Al Capone, vê se te emenda'?"
Ele disse que sim. Eu respondi:

"Raul, não se escreve dessa maneira", mas a frase ficou em minha cabeça. "'Vê se te emenda', que coisa horrorosa." E, só para sacanear, continuei: "Já sabem de teu furo, nego, no imposto de renda". E perguntei: "Você acha que isso é bonito?" Ele: "É ótimo".

Falei: "Então tá". Fui para casa e escrevi a letra de "Al Capone". Ele nunca dizia que a letra estava uma droga. Dizia: "Não é assim, sabe?" Letra de música não é poesia. Letra de música é letra de música. É preciso libertar-se um pouco dessa ideia.

Aprendi fazendo letra de música que é preciso ser absolutamente objetivo – sem ser superficial. Quando você canta: "Eu perdi o meu medo da chuva / Pois a chuva voltada pra terra traz as coisas do ar", a frase se encontra no contexto de uma música sobre o casamento, mas poderia muito bem estar totalmente separada desse contexto.

Quando terminei de escrever "Gita", cujo primeiro título era "A Letra A Tem Meu Nome", a música ficou com quatro minutos. Eu disse: "Pô, agora vou ter que cortar". Ele retrucou: "De jeito nenhum. Não vai cortar nada". Essa era a cumplicidade que tínhamos.

Para os padrões da época, "Gita" era uma música muito longa. Ele disse: "Eu vou usar a letra inteira". "A gravadora vai vetar", eu disse. "Não vai, não", ele respondeu: "Já tive sucesso com o Krig-Há, Bandolo!" E realmente não vetaram.

Nessa noite, caiu uma grande tempestade que cortou a luz. E nós compondo "Há Dez Mil Anos Atrás" a luz de vela. Levamos para a gravadora e a música deu certo. Só vim a chorar a morte do Raul seis meses depois. No dia da morte dele, eu senti uma espécie de estranha euforia.

Sonhei com o Raul, que ele estava muito bem. Um belo dia, eu estava falando com um amigo, Edinho Oliveira, e de repente eu disse: "O Raul..." E aí desabei, comecei a soluçar. Não conseguia parar de soluçar; eu chorava sem parar. Chorava tudo o que não havia chorado pela sua morte.

Quando terminei de chorar, senti de novo aquela paz. Hoje, enfim, eu vejo Raul Seixas tendo o reconhecimento que merece. Em vida havia muito preconceito, todos achavam que MPB era autêntica e rock brasileiro não merecia nenhum respeito. Mas as coisas são assim.

Maktub.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

dE vOLTA aO vALE dAS bONECAS

Marco do soft-porn-kitsh, Beyond the Valley of the Dolls continua anos-luz da monótona indústria pornográfica

POR CRISTIANO BASTOS

Rever o cult-movie Beyond the Valley of the Dolls (De Volta ao Vale das Bonecas) é bom para sacar que, em tempos de liberação geral, o gênero erótico deu constrangedora brochada.
Dirigido pelo lascivo Russ Meyer – que tem na filmografia clássicos como Faster, Pussycat! Kill! Kill! e Mudhoney – Beyond The Valley of The Dolls ostenta a aura camp que fascinou roqueiros delinqüentes como os New York Dolls, cuja estética depravada louva a produção de junho de 1970.
O filme conta as libertinas aventuras da banda de rock The Carrie Nations, um protótipo riot grrrl teleguiado por garotas gostosas e safadas em colisão rumo ao estrelato.
Bem trashona em algumas ocasiões e deliciosa, em outras, a trilha sonora foi hit na época: o tema "In the Long Run" escalou o topo da parada norte-americana; e a banda Strawberry Alarm Clock (que participa do filme cantando a pop-psicodélica "Incense & Peppermints" numa festinha de embalo) chegou à primeira colocação nos EUA.
Na verdade, a produção é um pastiche satírico do romance O Vale das Bonecas, de Jacqueline Suzan – sobre modernização feminina, decepções amorosas e ingestão desumana de barbitúricos.

Meyer, que lançou a categoria sexplotation, verteu o best-seller de Suzan num extravagante enredo sobre rock, drogas, orgias psicodélicas e mamilos em profusão.
Em 2001, o jornal Village Voice colocou Beyond the Valley of the Dolls na 87º posição de uma lista que elegeu as grandes filmagens do século.
Sem noção? No ano passado, o filme saiu pela primeira vez em DVD, com extras e entrevistas. Veja com seus próprios olhos.
*Publicado na seção Túnel do Tempo (Junho de 1970), da revista Bizz.







tHE dECLINE oF wESTERN cIVILIZATION









sexta-feira, 4 de setembro de 2009

iVINHO, o uLTRA-rÁPIDO

Agora bem entendo o comentário deferente, de Zé Ramalho, sobre a "viola ultra-rápida" que abre a canção "Avôhai": ela foi arranjada pelo violonista pernambucano Ivson Wanderley.
São dele os acordes inaugurais.

Basta ouvir o LP-solo Ivinho Ao Vivo - Montreux International Jazz Festival (1979), pra se tocar que - na real - ele toca é muito!
Tanto quanto o morto Raphael Rabello ou como o vivaz Yamandú Costa, ambos instrumentistas de estatura. E, pode-se dizer, contemporâneos.

Ivinho é personagem de Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol, disco idealizado anos antes por Lula Côrtes & Zé Ramalho. Com ácido telurismo, sua guitarra poleniza amanitas na melodia de "Marácas de Fogo".

O efeito final desse "heavy maracatu" (conduzido pela palhetada de Ivinho) são vidros arrebentados contra o chão do estúdio da gravadora Rozenblit. Acurando o ouvido, ainda dá pra ouvir no fundo uma bandinha marcial. Parece sampler!

Em "Marácas de Fogo", Zé Ramalho toma conta da viola de 12; Lula Côrtes faz a outra guita. Saca o time dos corais: Marconi Notaro, Alceu Valença, Zé Ramalho, Israel Semente e Lailson de Holanda.
Órgão farfisa: Huguinho Leão, que tirou o riff de "Nas Paredes da Pedra Encantada". Ouça lá.

Em off, algumas fontes me disseram que Ivinho é daqueles gênios misantropos. Deu uma piradinha básica. Direito universal.

Solista de dedos ligeiros, como poucos, também maneja uma guitarra rock. Pegada incandescente: as powerpop "Geórgia a Carniceira" e "Corpo em Chamas", gravadas no único álbum da Ave Sangria (ex-Tamarineira Village), mostram melhor sua eletrificada faceta.

Nesse ovacionado Ao Vivo em Montreux, Ivinho descarrega o mais puro "virtuosismo espontâneo" da viola de 12. Gravação excelente. Tecendo acordes em cordas nordestinas, o tocador levanta uma parede instrumental.
Bom que não é chato. Parece rock'n'roll. E é.

Ivinho também foi um dos criadores da Ave Sangria - a propósito, banda que mantém a liga veloz e sincopada de "Vou Danado Pra Catende", a campeã apresentada por Alceu Valença no Festival Abertura, há mais de três décadas.

Registro único da época de Paêbirú, no qual Ramalho & Côrtes aparecem side by side.

O Ivinho (na guitarra) é um desses cabeludos muito estranhos...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

a fESTA dOS dOC'S

Branco Mello reuniu imagens captadas, desde meados dos anos 80, para pintar colorido mosaico dos Titãs. Filme resgata a graça da banda que atravessou 25 anos de vida

POR CRISTIANO BASTOS

Agora que o tempo justifica a "maturidade" do rock brasileiro, que somatiza mais de duas década - desde que explodiu (no 'boom anos 80') -, veio a temporada da "colheita documental".
Pela bitola de documentários, algumas dessas histórias estão chegando ao mercado. São produções que têm primado pela boa qualidade técnica e que submergem tanto ao "mainstream" quanto ao "underground" do rock no Brasil.
Caso de Titãs – A Vida Até Parece Uma Festa, lançado em DVD pela Warner e de Guidable - A Verdadeira História dos Ratos de Porão - que surpreende pela sinceridade e, em certas horas, pela raridade das imagens que apresenta.
Sem dúvida, a melhor delas é o registro da vez em que Ratos de Porão e Sepultura encontram-se ao vivo e tocam diante uma enlouquecida platéia de headbangers, em Belo Horizonte.
É o momento do histórico crossover que juntou, no Brasil, o punk com o metal pela primeira vez.
As filmagens de A Vida Até Parece Uma Festa começaram em 1986, ano em que o vocalista Branco Mello, para registrar tudo o que acontecia com os Titãs em turnês, estúdios e ensaios, comprou uma câmera VHS.

Sons e imagens foram captadas e arquivadas em vários formatos desde então: VHS, Hi-8, Super 8 e mini DV.

"Comprei uma câmera e comecei a filmar na época do Cabeça Dinossauro. Meu plano era colher material e fazer um filme. Não tínhamos ideia da perenidade dos Titãs e ninguém apostava em nada", conta Mello, que divide a direção do filme com Oscar Rodrigues Alves.
No filme, a trajetória da banda foi amarrada através do grande repertório de cançõs pop gravado em muitos álbuns - e da história:
O início em São Paulo, o primeiro sucesso ("Sonífera Ilha"), as prisões por porte de drogas, o antológico show Cabeça Dinossauro, os bastidores das gravações do álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, as saídas de Arnaldo Antunes e Nando Reis, a morte de Marcelo Fromer, as viagens pelo Brasil e pelo mundo.

Segundo Branco, a única certeza que a banda tinha, à época, era o bom momento vivido pelos Titãs. E, por causa disso, seria interessante guardar imagens para um futuro documentário.

"Quando começaram aparecer as primeiras câmeras portáteis, muita coisa estava acontecendo. Podíamos registrar coisas de nossa vida e de nossa intimidade, além filmar os shows. Era tudo muito curioso, rico e novo", retrata o titã.

O processo que resultou no vídeo recém-lançado iniciou naquela época. "Comecei a decupar fitas e mais fitas de VHS ainda nos anos 80. Depois que, anos atrás, tudo foi digitalizado montei um teaser do filme", situa Branco. E
Em 2002, Branco convidou o premiado diretor Oscar Rodrigues Alves para dividirem roteiro, montagem e direção do filme.

A dupla partiu das mais de 200 horas de material original, organizado pela produtora Angela Figueiredo. De abrangente pesquisa em emissoras de TV, vieram os programas de auditório, videoclipes e entrevistas que dão o tom ágil do doc.

Na montagem, os produtores perceberam que a riqueza do material dispensava a monótona figura do "narrador em off":

"Abrimos mão do narrador porque as músicas falam por si próprias. O filme está mais para 'As Aventuras dos Titãs', quase como se fosse uma ficção, do que para 'A História da Banda'", contrabalança Branco.
GUIDABLE – "Guidable é o termo criado pelos integrantes da banda de hardcore Ratos de Porão. Define confusão mental, bagunça generalizada ou simplesmente um sei lá. Também pode ser usado quando não se acha a palavra certa no momento apropriado. Muitas vezes substitui o foda-se com eficiência".

Essa é a senha para explicar "Guidable", piada interna que dá nome ao documentário A Verdadeira História do Ratos de Porão. Representa, na verdade, o espírito com que o doc (com muita eficiência) narra a história dos Ratos de Porão - momento que também se confunde com a chegada do punk no Brasil.

Em 2006, a dupla de Marcelo Appezzato e Fernando Rick, da Black Vomit Films, de São Paulo, foram convidados por João Gordo para rodar um filme sobre a banda. A tarefa - quase impossível para uma produção de baixo orçamento - levou dois anos.

Guidable ainda não ganhou versão em DVD. Vem tendo exibições pelo país em cine-clubes e sessões especiais. A maior parte do material usado no doc pertencia ao arquivo particular do vocalista dos Ratos de Porão, João Gordo.

"Ele tinha quase tudo, mas também tivemos que correr por fora. O maior trabalho foi garimpar as caixas e caixas de material", explica Fernando.

Para pontuar quase três décadas de carreira, a dupla entrevistou, de forma independente, os precursores do levante punk brasileiro, como Rédson (Cólera) e Clemente (Inocentes).

Os diretores também pesquisaram centenas de arquivos, em diferentes mídias, além dos arquivos pessoais dos integrantes atuais e antigos da banda. A abordagem que fazem do vasto consumo de drogas é de uma franca - e pouco vista - sinceridade.

"Dificilmente, algum artista se expõe dessa forma. Tudo o que se vê no filme, aconteceu não só com eles, mas com muitos músicos por aí. A diferença é que os Ratos não foram hipócritas".



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