domingo, 16 de novembro de 2008

fROSA: "o rOCK sEMPRE cONECTOU a jUVENTUDE"

Nos próximos dias 27, 28 e 29 de novembro, Brasília vai abrigar o festival El Mapa de Todos, que reunirá artistas do Peru, Chile, Argentina, Uruguai, Espanha, Portugal e Brasil.

O festival tem curadoria de Fernando Rosa, editor do portal Senhor F, e é co-produzido com a Scatter Records, de Buenos Aires. Também é realizado em parceria com o Espaço Brasil Telecom.

Entre as atrações do El Mapa estão Babasonicos, das bandas mais importantes do rock em espanhol atualmente, e La Quimera del Tango, ambos da Argentina. Além de Turbopotamos do Peru (que abriu recemente para o REM, em Lima), Javiera Mena do Chile e Sr. Chinarro (Espanha), Azevedo Silva (Portugal) e Danteinferno do Uruguai.

Do Brasil, tocam Marcelo Camelo, Mundo Livre S/A, Macaco Bong e Beto Só, o anfitrião brasiliense. Afiliado a Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), o festival integra o calendário oficial de atividades do Ministério da Cultura para o Mercosul.

Neste semestre, o Brasil ocupa a presidência Pro Tempore do Mercosul, com a atribuição de gerir todas as frentes de atuação. O festival será transmitido integralmente e ao vivo pelo Canal Integración para toda a América Latina.

O El Mapa de Todos é um desdobramento - evolução do Senhor Festival. Depois de organizar o evento por três anos, com essas características, em 2007, com participação de artistas da Argentina e do Chile, decidimos ampliar o conceito”, diz Fernando Rosa, idealizador do festival.

Aqui, o idealizador do El Mapa de Todos, Fernando Rosa, falou com exclusividade sobre a cara do rock independente atual, mercado e - claro - a respeito da velha celeuma: mainstream x independente.

Esse é o primeiro festival do gênero no Brasil. Reflete aproximação entre as cenas independentes sul-americanas. O que isso significa, além da música?

Fernando Rosa – Já houve outro, anteriormente, em 1997, o Tordesilhas, um evento realizado pela MTV, em Porto Alegre, com presença de Café Tacuba e Aterciopelados, ainda nem tão famosos, entre outros. A diferença entre os dois, é a completa mudança do padrão tecnológico, do perfil da indústria fonográfica e, especialmente, do advento de uma nova cena independente no país. A combinação dessas condições e também a nossa sintonia com tudo isso é que torna possível reunir o conjunto de artistas que vamos apresentar.

O festival é como uma resultante dessa nova realidade, da força do sentimento de integração que permeia a vida das sociedades da região. Nisso, a cultura, a música jovem e, por tabela, a produção independente, é uma espécie de vanguarda nesse processo em curso. A mudança de governos, com orientação mais social, o descrédito da supremacia do “império”, a exemplo da recente crise financeira, e a quebra de fronteiras por meio da internet arejam o continente.

Então, acredito que o festival, mais do que apenas apresentações musicais, tem um componente sócio-cultural importante. Ele é uma demonstração concreta de que é a aproximação entre os povos sul-americanos é possível.

Qual é a cara do rock independente mundial?

Fernando Rosa – Olha, acho que esta "cara" ainda está em construção, mesmo que existam vários exemplos interessantes. Antes, até pouco tempo atrás, não exitaria em citar imediamente bandas como Sonic Youth, Pavement, Guided By Voices. Mas hoje, diria que artistas de qualquer parte do mundo poderiam identificar-se essa nova "cara".

Assim como a internet horizontalizou o acesso a informação, de alguma maneira existem grandes artistas em qualquer parte do planeta. O problema atual talvez seja que não exista mais uma “cara”, mas várias caras. Javiera Mena, do Chile, Turbopotamos, do Peru, ou El Mato a Un Policia Motorizado, da Argentina, poderiam ser diferentes "caras" dentro desse mundo globalizado. O Brasil, pela sua dimensão, tem muitas "caras", algumas delas já conhecidas no exterior. Em suma, a comunicação moderna é uma festa de fogos de artíficio, o "disco de ouro" já virou "bronze", e nada indica que isso vai decantar tão rapidamente.

O futuro do independente, a longo prazo, é o mainstream? Ou são "água & óleo": não se misturam?

Fernando Rosa – Essa discussão é tipo a do ovo e da galinha, se consideramos os padrões antigos. Para o Lobão, por exemplo, os independentes são a segundona, os aspirantes à primeira divisão. Mas, hoje, como disse o Beto Só em artigo no Senhor F, a coisa está mais para Copa Brasil. Tem muito Santo André dando de relho, como dizem os gaúchos, nos Flamengos da vida. Também, com o "disco de ouro" em 36 mil vendidos, qual a diferença entre o Skank e o Teatro Mágico? Quem é "mainstream" e quem é "independente"?

Mas, do ponto de vista de qualidade autoral, da construção de um novo mercado, a diferença existe. Os melhores lançamentos vem do independente e o "mercado" mais vivo é também o "indie", por meio da plataforma de festivais da Abrafin e dos selos alternativos. Acredito que, em meio à crise, floresce um novo espaço de divulgação, de relações diferentes entre artista e público e um novo mercado.

Musicalmente, o que há de mais interessante na escalação do El Mapa?

Fernando Rosa – O mais interessante é o mosaico, o "recorte do momento" que conseguimos montar, reunindo artistas clássicos, emergentes e novatos. A argentina Babasonicos é a maior banda da América do Sul atualmente. Sr. Chinarro, com 10 discos gravados, é uma legenda do "indie" espanhol, que tem tradição. A novata Javiera Mena é atualmente o nome mais falado da nova música chilena.

Os peruanos Turbopotamos abriram para o R.E.M, no Estádio Nacional de Lima, no último dia 14 de novembro. Então, com esses exemplos, acho que oferecemos ao público brasileiro uma bela oportunidade de ouvir o que, de fato, é o melhor do pop latino atualmente. Mas, claro, em cada um desses países existem outras bandas, tão boas quantas, que poderiam estar no festival. E, que, certamente, estarão em edições futuras.

Qual é a sua grande aposta no festival?

Fernando Rosa – Ninguém em especial, mas sim que o festival cumpra seu papel de começar a mudar a relação do público brasileiro com o rock, com a música sul-americano, e ibero-americana também. E também que a idéia da integração saia fortalecida do evento, que existe por essa razão, desde o início de sua concepção, há mais de um ano.

Como todos os projetos de Senhor F, e os festivais da Abrafin, "não estamos nessa por dinheiro", para citar o velho Zappa. Nesse caso especial, temos um compromisso editorial histórico da própria revista, hoje portal Senhor F, com a divulgação do rock latino no país.

O Brasil lidera esse mercado?

Fernando Rosa – Liderar, no sentido de atividade econômica de dominação, não. Até porque o intercâmbio ainda é pequeno entre o Brasil e os demais países. Possivelmente, até se vende mais música brasileira na América do Sul, do que se consome música latina no Brasil. Mas, pela dimensão continental, pela quantidade de grandes cidades, o Brasil pode ser uma possibilidade de atuação para os artistas sul-americanos.

Assim como as capitais sul-americanas podem deixar de ser "um lugar distante" além-fronteira, para se tornar um local tão ou mais próximo do que se locomover dentro do Brasil. O que ainda, no entanto, é visto com algum ceticismo, é feito com movimentos pontuais. Veja, por exemplo, a tentativa de introduzir a ótima Julieta Venegas no Brasil, com shows fechados em São Paulo. Ou o lançamento de Andres Calamaro no Brasil, embora feito daquele velha e burocrática maneira, onde sequer a Senhor F recebeu um email, um release, que fosse.

Também fizemos nossas incursões, nosso movimentos no sentido de construir essas pontes, do que é exemplo a parceria com a produtora e selo Scatter Records (da produtora paulista Sylvie Picolotto), de Buenos Aires, com quem dividimos a montagem artística e logística do El Mapa de Todos. Antes disso, também com eles, lançamos o disco dos gaúchos Superguidis na Argentina, que hoje já tratam Buenos Aires como sua "segunda" casa.

Então, o que vislumbro é a possibilidade de um grande mercado sul-americano, onde os artistas circulem mais, toquem mais em diferentes países. Isso é o que está movimentando a nova música brasileira hoje, e é o que pode, e deve, aproximar aristas, públicos, produtores e selos nos próximos anos. Com a bendita ajuda da internet, é sempre bom lembrar.

Porque a escolha de Brasília para sediar o festival?


Fernando Rosa – Brasília tem a "cara" do festival, pois assim como o El Mapa de Todos busca a integração, a cidade tem essa característica em sua essência de construção, ainda jovem e universal. Acredito que, pelo menos em sua primeira edição, Brasília foi a escolha ideal, até pela sua condição, nesse ano, de Capital Sul-Americana da Cultura.

Também teve peso a parceria com o Espaço Brasil Telecom que muito contribui na promoção e realização do evento. Mas, pela própria idéia da integração, o festival pode acontecer em outro estado, outra capital, e até mesmo em outro país. Isso vai depender também das condições sociais, econômicas, políticas, das futuras e possíveis parcerias.

O que um festival desse tipo pode trazer de bom ao Cone?

Fernando Rosa – Olha, pela primeira vez na história do continente sul-americano, os governos interagem de forma coordenada e em favor dos interesses de suas populações. Estamos superando, assim esperamos, anos, décadas, séculos de exploração, de divisões internas, sempre em prejuízo dos povos da região. Isso nos terrenos da política, da economia, da infra-estrutura, com iniciativas como a Unasul, o Parlamento do Mercosul, o Banco do Sul, a conexão energética, etc.

A cultura, e a música em especial, como ponta-de-lança em qualquer processo de aproximação entre diferentes povos, não pode ficar de fora. O festival é uma pequena contribuição com essa disposição integracionista, compartilhada por importantes parceiros. Nessa edição, e esperamos que também nas próximas, contamos com o apoio do Canal Integración, da TV Brasil, da Rádio Câmara, da Secretaria de Cultura do GDF.

O Canal Integración e a Rádio Câmara, por exemplo, vão transmitir o evento ao vivo, que poderá visto em toda a América do Sul. O Ministério da Cultura do Brasil também incluiu o festival em seu calendário oficial de eventos culturais para o Mercosul na gestão Pro Tempore do Brasil.

Quem diria um dia o rock seria elo de ligação entre a juventude dos países vizinhos...

Fernando Rosa – Olha, na verdade, acho que sempre foi. Lembro que no tempo das infames ditaduras, nas décadas de sessenta e setenta, especialmente, isso de alguma maneira já ocorria. Os jovens exilados, auto-exilados, perseguidos que eram obrigados a sair de seus países, traziam em suas mochilas, ao menos alguns discos.

Ou um violão, onde reproduziam as canções que mais lhes tocavam, que tinham a ver com suas vida. Particularmente, conheci muita coisa assim, como Sui Generis, Pescado Rabioso ou Daniel Viglietti, de onde vem a inspiração do nome do festival, tirado de verso da música "Milonga de Andar Lejos".

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