sábado, 13 de setembro de 2008

oS aNOS lISÉRGICOS dA mÚSICA pERNAMBUCANA

Cena setentista ganha documentário acurado da época

Ricardo Schott, Jornal do Brasil

Com dois meses de entrevistas, o documentário Nas Paredes da Pedra Encantada, da produtora Flesh Nouveau! Filmes, do jornalista Cristiano Bastos e do historiador Leonardo Bonfim, conta histórias de uma das cenas mais mitológicas e menos conhecidas da música pop brasileira: a psicodelia pernambucana e (por extensão) paraibana dos anos 70.

Que, no decorrer do documentário – ainda em fase de finalização – aparece sustentado por dois fortes pilares. O principal é o álbum duplo Paêbiru: Caminho da Montanha do Sol, de Côrtes e Zé Ramalho, lançado em 1975 pela gravadora recifense Rozemblit.

No pano de fundo, surge o sítio arqueológico que inspirou o álbum: a Pedra do Ingá (a tal "pedra encantada"), no município paraibano de Ingá do Bacamarte, com estranhos desenhos feitos em baixo-relevo que teriam sido feitos por um certo "cacique de pele colorida", Sumé, que veio do espaço para orientar os indígenas, antes da chegada dos colonizadores. Nas paredes da pedra encantada, os segredos talhados por Sumé, canção de Côrtes e Ramalho, veio dessa lenda, assim como toda a produção da dupla.

– Inicialmente, quisemos só falar a respeito do disco. Mas, quando conhecemos o lugar, achamos tudo fantástico e quisemos fazer um road movie, relatando a viagem – diz Bonfim, que saiu de Porto Alegre, onde mora, para encontrar Bastos, que vive em Brasília, e pôs-se a rodar com ele Pernambuco e Paraíba numa Kombi. – Fomos ao agreste, conversamos com pessoas que conhecíamos na hora e que contavam as lendas sobre a pedra. Há quem diga até que há uma chave que abre a pedra e que tem um tesouro dentro dela. O Côrtes viajou com a gente e foi mostrando os lugares. Parou até nos campos em que eles e os amigos catavam cogumelos para fazer chá.

Do cenário musical da época, saiu pelo menos um artista de renome – justamente Zé Ramalho, cuja fase lisérgica foi recentemente dissecada no CD Zé Ramalho da Paraíba, produzido entre 1973 e 1977 e lançado apenas agora. Côrtes, ao lado de nomes como Lailson de Holanda (com quem fez o ultrapsicodélico e independente Satwa, álbum de 1973), Marconi Notaro (responsável pelo não menos lisérgico álbum No sub-reino dos metazoários, do mesmo ano), o grupo Ave Sangria, do qual saiu Paulo Rafael, guitarrista de Alceu Valença, e a cineasta Kátia Mesel (então mulher de Côrtes) pertencem à relação de nomes que construíram a cena e, mesmo não alcançando sucesso popular, são cultuadíssimos.

– Côrtes é artista 24 horas por dia. Se houvesse mais pessoas como ele, o mundo seria mais poético e musical – diz um entusiasmado Alceu Valença, que, mesmo tendo se mudado para o Rio em 1970, participou de Paêbiru, tocando instrumentos de percussão improvisados, como pentes em papel celofane. – O Lula tocava um instrumento que comprou em Marrocos, o tricórdio, e tinha uma voz bem blues. E era, como ainda é, um grande poeta.

Paêbiru, o mais cultuado desses discos, teve quase todas as suas cópias perdidas numa enchente do Rio Capibaribe, em 1975 – sobraram apenas 300 exemplares, que hoje não trocam de mão por menos de R$ 4 mil. Para Bastos, Nas paredes da pedra encantada faz justiça a uma cena que nunca teve atenção que mereceu. Ele crê que o mangue beat ignorou a geração dos anos 70.

– Levando em conta que, nos anos 80, não aconteceu muita coisa lá, é uma falta de sensibilidade histórica. Alguns dos primeiros discos independentes do Brasil saíram dali – diz o jornalista, revelando que a cena guardava, até devido ao contexto hippie, algumas semelhanças com a vida comunitária de grupos mais conhecidos, como os Mutantes e os Novos Baianos.

Com parte do material pronto, a dupla pretende editar tudo em Porto Alegre e lançar Nas paredes da pedra encantada em 2009.

– Investimos tudo do nosso próprio bolso. Agora preciso recuperar minha poupança e meu carro – brinca Bastos, que só lamenta o fato de Zé Ramalho, outro grande personagem da cena, ter se recusado, educadamente, a falar para o documentário – Apesar de ele fazer parte do contexto, para Ramalho isso tudo é assunto encerrado. Ele fez Paêbiru, mas renega o disco.

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