quinta-feira, 19 de junho de 2008

pREPÚCIOS tEXTICULARES*

Leopoldo

Sentados numa praça do shopping. Leopoldo e Rubens. Ambos já lá pela quinta idade. Moraram nos EUA durante a infância. Para se ter noção, assistiram “Branca de Neve e os sete anões” na matiné de lançamento. E já não eram tão pequenos! Discutem sobre São José da Arimatéia na história do Cordeiro. Sobre ele e sobre a imaculada. Acham que não se discute virgindade. "Ela era virgem e ponto".

Estão cansados dos jovens e até hoje não aceitam o suposto homossexualismo de Liberace.

- Eles vestem-se mal, molambentos, calças caídas e aspecto sujo. Não reconhecem a sabedoria dos mais velhos e se julgam modernos. – resmunga Leopoldo.

- Não acredito e deu! Pelo menos a Mae West ele deve ter comido. Ela devia ser muito vagabunda. Não é possível que o Liberace, com toda aquela bossa, tenha sido fresco. E digo outra coisa, ele nem sequer morreu. Liberace vive! Acho que virou vendedor de telefone celular, isso dá grana e ele sempre foi um gênio! – retruca o amigo.

- Não respeitam nem a eles mesmos. Andar por aí deste jeito não vai chamar a atenção de ninguém. Os jovens de hoje espantam a todos aqueles que prezam por uma sociedade justa e livre dos arrenegados pela graça de todos os bens totais.

- Cala a boca, Poldy! Vamos ver se aquele CD dos Sonics não tá em promoção na Multisom. Eu tô muito velho pra agüentar as tuas reclamações.

Julie

Mais ou menos quatorze cantores de Viena sentados naquela sala de espera. Esperam. Do alto-falante, uma música. Aparentemente, o vocalista acaba de descobrir que uns certos rumores sobre a atriz Julie Christie eram verdade. Mas nenhum dos jovens cantores de Viena se preocupa com a atriz de Doutor Jivago, e parece que ela concorreu a um Oscar estes tempos. Era com ela aquele O céu pode esperar, onde toca a musiquinha do programa do Jaime Copstein. Mas eles não conhecem a rádio Gaúcha, tanto os que estão naquela sala quanto os integrantes da banda americana. Esperam; os cantores. Gostam é da Romy Schneider. Disputam por um papel na remontagem austríaca de Cats. Todos se conhecem, mas não se cumprimentam. Alguns cresceram juntos e estudaram juntos, mas hoje preferiram este silêncio que, por sua vez, deu lugar à música sobre a tal atriz. De certa forma, ainda se sentem estigmatizados por serem conterrâneos de Hitler, o que é curioso. Definitivamente não parece que nenhum deles vá se levantar e perguntar aos outros: “Afinal de que rumores sobre Julie Christie este infeliz tá falando?” – até por que os vienenses são assim.

Como será que está a música na Áustria hoje em dia?

Rubens

Continuavam sendo Binho e Poldy, Rubens e Leopoldo. Seguindo naquela odisséia diária. Esperando apenas para voltarem para o lar geriátrico onde dormiam. Onde mulher alguma os trairia. Onde a comida é quentinha e gratuita, mas mesmo assim preferem pagar um McLanche Feliz do Praia de Belas. Discutiam a infeliz constatação masculina de se ter as costas peludas. A partir da negação do fato de já terem perdido muito do pêlo que ostentaram no passado, examinavam todas as possibilidades perdidas pela existência infame destes infernais seres que vivem perpendicularmente, em sua maioria, ao corpo do homem não depilado.

Estavam transtornados com os beijos estalados dos jovens. Estalavam-se rapazes e garotas por todos os lados do shopping. Estavam abobalhados com o estabelecimento comercial da maionese, com a popularização do patê e o apelo surpreendentemente saboroso da mortadela.

- São beijos mal dados de quem pouco ama, de quem pouco conhece a vida e as belezas do sexo oral. É ostentação de adolescente mal vestido, destes que nunca reconheceram o potencial de Thales Pan Chacon. – resmunga Rubens.

- Há 50 anos atrás estas coisas eram em sua maioria caseiras. Minha esposa fazia. Agora maionese vem em, como é mesmo o nome? Ah! Sachês. Sábio aquele que dizia: “A maionese é o ópio do povo.” – ou ainda – “O meu cachorro é sem ervilha e com bastante maionese, por favor.”. Eu acho que a salmonela foi uma criação dos fabricantes de margarina. – retruca o amigo.

- Acho que eu só precisava de mais um beijo estalado em praça pública, antes de morrer.

- Deixe de bobagem, Binho, eu ainda te amo tanto. Agora vem, vamos para casa, aqui não tem aquele tipo de danoninho que tu gostas. Vamos ver o Jornal Nacional e dormir no quentinho da nossa cama.

Heleno

Heleno, o Apicultor, dizia ao Vinícius: “Sabe Moraes, nós somos os maiores estrategistas, maiores que Hitler e Stalin.” Grande cara, ele. Não me lembro de alguma vez ter lhe visto pagar para entrar num lugar na noite. E sempre estava nas melhores festas. Uma vez lhe perguntei: “E aí Apicultor, o que tu faz no exército?” - prontamente ouvi a resposta – “piloto de coronéis”, eu ri.

Quando vinha para Porto Alegre, ele pegava o carro da vó dele, um Voyage, e saíamos, ele, sempre com um inconfundível boné do Quércia (para presidente). E onde passávamos as pessoas se perguntavam quem seriam aqueles bagaceiros do interior liderados por um fã do ladrão do Quércia. Era muito preza! Ele é um daqueles caras que eu nunca vou me esquecer. Agora tá casado, ou algo assim, e parece que entrou numas de ir para bosques, meditar. De vez em quando os guris encontram ele e tomam uns baita trago juntos de novo. Daí eu fico sabendo das novas do Apicultor. Faz tempo que eu não vejo o Heleno. Acho que já faz dois carnavais.

Orestes

Duas amigas, suponhamos Márcia e Ana Carolina:

Sabe aquele cara, o Leonardo, de quem eu te falei?

Tô ligada!

Esses dias eu saí com ele e com uns colegas dele, da agronomia de Santa Cruz. Fomos num daqueles barzinhos da República. Os guris são trilegais e daí – conversa vai, conversa vem – acabei ficando com um deles. E agora eu tô ficando com ele - direto.

Que massa! E como é que ele é?

Ele é súperdéiz! Tipo – mmm – é loiro, cabeludo, toca flauta e se chama Orestes.

Orestes?!

É. Por que?

Eu sempre sonhei em ter um primo chamado Orestes.

Um primo?! Por que Orestes?

Sei lá, ele seria tipo um primo quietão que vem de Montenegro nas férias. E daí ele sempre sairia comigo, iríamos no Cais, e daí eu apresentaria ele pra a Lúcia ou pra a Lisi, e uma delas ficaria com ele e daria pó pra ele. Seria, sei lá, diferente. Eu tô cansada dos meus primos de Alegrete.

Tô ligada!

Marco

Duas amigas, suponhamos Márcia e Ana Carolina:

De quem é esta frase na tua agenda?

Que frase?

Essa aqui: “Vivemos para sobreviver aos nossos paradoxos.”. O que significa isto?

É daquela banda que o meu irmão escuta, que eu te falei.

E por que tu não coloca mais as frases do Bob?

Sei lá, acho que eu nunca gostei muito da qualidade das traduções. Além do mais, palavras tipo JAH, parecem coisas não-brasileiras. E eu tô tri numas de Brasil depois da Copa.

É mesmo!

Chega o gerente da Renner. Que se chama Marco é fácil de se saber, pois está escrito no crachá, entretanto, poucos sabem que na verdade ele é o Homem-Gafanhoto Americano travestido de gerente da Renner:

As senhoras me desculpem, mas nenhum dos cartões de vocês tem crédito.

Bah, que merda!

Ta, deixa assim. Obrigada, - mmm – Marco.

Afastam-se da loja, põem seus respectivos cartões em suas respectivas carteiras:

Bem gatinho esse gerente, né?

É. E bem elegante, ele.

Todas são ludibriadas pelo Homem-Gafanhoto Americano.


*A sessão "ginecológica" que Carlinhos Carneiro tinha nos tempos da REVISTA ZE, agora de volta neste blog periodicamente. Dê uma folheadinha.

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